Therezópolis
(Crônica - 1873)
Visconde de
Taunay
Estas páginas de
1873 - "Teresópolis" - figuram no volume intitulado "Viagens de
Outrora". Críticos e historiadores da literatura apontam o Visconde de
Taunay como um dos escritores que melhor descreveram a paisagem brasileira, nos
seus relatos de viagem, nas suas crônicas e nos seus romances.
Teresópolis está
a dois passos do Rio e, entretanto, ninguém a conhece.
Uns sabem muito
pela rama, que é um lugar frio, de águas puríssimas, montanhas alcantiladas e
subidas escabrosas; outros mais indagadores perguntarão de que lado fica, a que
distrito eleitoral pertence, quantos votantes tem o colégio, quais as
influências do lugar, quais os meios de lá chegar, mas, afinal, poucos,
raríssimos, se abalançarão a ir gozar de um dos mais belos locais próximos à
Côrte.
Há dez dias,
passeava eu pela rua do Ouvidor sem ter nada que fazer, como quase todos que
por lá transitam, quando me surgiu uma idéia.
- Por que não hei
de eu ir a Teresópolis? Tenho diante de mim alguns dias livres; preciso
respirar ares mais oxigenados do que os que nos dá a câmara municipal; tenho
prática de viagens e quero fugir da campainha dos bondes.
Quem no Rio de
Janeiro não é mais ou menos tísico? A qualquer momento, a saúde, aparentemente
mais florescente, precisa de um passeio às montanhas. Petrópolis é muito
corriqueiro; Friburgo longe demais; exploremos Teresópolis.
Nesse trabalho
íntimo sentei-me a uma das mesas do Castelões. Mandei vir um prato de doces,
que mal toquei.
Estava preocupado,
quase inquieto.
Dentro de meu
cérebro lutavam duas fôrças contrárias.
Renovavam-se nêle
as cenas de D. Quixote e Sancho Pança.
Quem não leu o
admirável romance do imortal Miguel de Cervantes Saavedra? Eu o li duas vêzes;
uma em francês; a outra seguindo o conselho de Luís XIV a um seu cortesão, em
espanhol, num exemplar, ornado de figuras e achado em Peribebuí por ocasião de
umas pesquisas que quase pareciam um saque.
Luís Viardot diz
com razão que aquela imensa e engenhosa comédia tem um grande fundo filosófico.
D. Quixote
representa o espírito de audácia, a inteligência, o cavalheirismo, a nobreza de
sentimentos, um tanto tresloucada que quase todos possuem; Sancho Pança é o bom
senso brutal, inabalável em seus raciocínios e sempre mais chegado à verdade do
que o juízo irrefletido ou a iniciativa dos primeiros impulsos.
Entre o bom senso
e a inteligência as lutas são constantes, impelido que é o corpo, a matéria,
por uma dessas fôrças, precipita-se, mas é retido à borda do abismo iminente, pela
outra.
Pois bem, o meu
lado quixotesco bradava alto: "Vai, contemplarás serras altaneiras e
dominarás paisagens imensas; terás a teus pés esta capital; dormirás ao ruído
das catadupas, alquebrado de cansaço, é verdade, mas satisfeito por teres
executado a tua vontade".
O meu Sancho de
dentro ponderava:
- "Sim! Cai
nessa. Aturarás uma barca roceira, talvez caminhos péssimos e tudo isso para
voltares daqui a três ou quatro dias, quem sabe se com algum osso quebrado ou
deslocado, por causa dos buracos na estrada. Vai. Depois não te queixes."
-
"Contemplarás de longe, de muito longe o mar", insinuava a
imaginação.
- "Aturarás
muita pulga nos hotéis e a despesa do passadio não há de ser pequena",
murmurava o positivismo.
Nessa
perplexidade levantei-me.
Desci novamente a
rua do Ouvidor, e esbarrei com um amigo meu, não íntimo, porém familiar; dêsses
amigos que nos pedem de vez em quando emprestados 10$000, e pagam-nos o
dinheiro do bonde com certos ares de proteção.
- "Vamos a
Teresópolis?" propus-lhe eu.
- "A
Teresópolis! bradou êle. Qual! Tenho Cassino, e se eu faltasse a essa partida,
notariam muito a minha ausência."
O coitado é um
insignificante empregado no comércio.
- "Então não
queres ir?" insisti.
-
"Nunca!"
Essa
inflexibilidade resolveu-me.
Decididamente,
pensei com os meus botões, o Soares fôra um importuno, mais do que um
companheiro. Fêz bem em recusar. Irei só, isto é: com uma maleta de roupa e,
talvez um pajem. Não esquecerei o meu chapéu de sol.
No dia seguinte
achei-me, à hora e meia da tarde, no cais da praia do Peixe, cujo o verdadeiro
nome - praia do lixo - tem sido oculto pela honrada municipalidade.
Havia ressaca:
vagas algum tanto cavadas, vinham da barra, e batiam de encontro ao cais,
desfazendo-se em espadanas.
A barca balouçava,
estremecia, e a prancha tomava inclinações temerosas com grave susto de umas
senhoras que queriam transpô-la.
Às duas horas
partimo-nos, como dizem Camões e os quinhentistas.
A sociedade era
numerosa e a maior parte dela ia para Paquetá sem consciência de que demandava
a ilha mais pitoresca de nossa baía, pelo menos as fisionomias nada indicavam.
Nenhum tipo artístico. Uns com narizes compridos, outros curtos e chatos.
É espantosa a
variedade que o Criador construiu sempre com os mesmos elementos: dois olhos,
uma testa, um nariz, uma bôca, um queixo; barbas ou não; muito cabelo ou
nenhum.
Dois passageiros,
porém, começaram a discutir política. Ambos eram liberais e, portanto, os
conservadores pagavam as custas daquela harmonia de opiniões. Mais adiante
ficava um homem irascível, cujos olhares furibundos denunciavam um credo
político diverso. Decididamente, aquêle não rezava pela mesma cartilha. Importa
pouco. Desceram todos juntos em Paquetá e talvez todos juntos votem na mesma
chapa eleitoral.
A barca, depois
de sábias evoluções, deixara contudo a parte de Paquetá e aproara para a da
Piedade em mar calmo como um lago. De todos os lados as vistas prendem-se
embelezadas.
Aqui, ali,
adiante, perto, muito longe, pedras escalvadas, ilhas garridas, coqueirais a
mirarem-se nas águas, o céu a namorar o mar.
Às 4 horas e meia
chegou-se ao pôrto da Piedade. Corri a buscar os carros que deviam levar-me a
Magé e depois à Barreira, pois havia gente demais e alguns podiam ficar sem
lugares, como aconteceu.
Meia hora depois
entrei em Magé. Coitada! Decadente, tristonha, furiosa contra a estrada de
Pedro II, que lhe tomou as tropas de café, deixa-se no acesso de raiva, cair em
ruínas.
Aqui se pára e, o
que é pior, paga-se. Seis mil-réis é a passagem até a Raiz da Serra.
Depois de alguma
demora, atrelam-se novos animais e o carro torna a partir. Caminho areento,
estrada que podia ser pior, casinhas e choças abandonadas, paisagem árida, eis
o que se vê de um lado e do outro.
No fim da viagem
começa-se a subir muito: a temperatura baixa de um modo agradável: ouvem-se os
ruídos das quedas de água, mas nada se pode lobrigar porque é noite e noite
escura.
Às 9 horas
cheguei à Barreira e aboletei-me numa manhosa hospedaria. Ofereceram-me o que
comer; aceitei e arrependi-me, por isso que só às 11 horas, quando eu já
dormia, é que me apresentaram uma carne renitente aos dentes e três ovos
arrancados de uma incubação bastante adiantada.
Praguejando,
contra mim mesmo, por me não ter munido de umas empadinhas e croquetes como um
sujeito alto e pouco comunicativo que engoliu a sua matalotagem, sem oferecer
migalha a ninguém, voltei à cama.
O colchão é duro,
mas os lençóis podem passar por limpos; entretanto acredito que um sibarita
franzisse o sobrolho antes de entregar o corpo à posição horizontal.
Felizmente
pertenço à escola estóica; por isso peguei no sono com consciência tranqüila
que não ofendia a princípios de profissão filosófica.
Às duas horas da
madrugada acordei sobressaltado por grande barulho. Eram os passageiros que
deviam descer do carro, a tomar a barca das 6 horas da manhã. O movimento durou
três quartos de hora de relógio em punho.
Enfim tudo se
aquietou novamente, e a aurora me achou inda deitado.
Quando o sol ia
alto, ergui-me de um só pulo e corri a contemplar a bela natureza que ali se
ostenta.
Borbulhante
cascata despenha-se de um alto, serpeia, desaparece, surgi aqui, acolá se
esconde entre pedras lisas, arredondadas, umas grandes, destacadas, outras
miudinhas formando montes.
Por todos os lados
alterosos alcantis; florestas virgens.
Uma venda
espaçosa, duas casas baixas à direita da estrada e um portão de cabeça de uma
ponte: eis a Barreira.
A cavalo!
A ascensão
começa.
Quantas
maravilhas! Os morros altos há pouco, acanham-se submissos: nivelam-se comigo;
a vista se alarga; escala admirada os píncaros dos Órgãos; contempla os
"Canudos", o "Garrafão", o "Dedo de Deus", o
"Frade" ou descansa sôbre docel imenso de majestosa verdura.
De quando em
quando rompe a uniformidade a prateada folhagem de embaúba que parece suspender
em longos caules de prata maciça.
Assim vai-se
subindo rodeado de esplendores. A estrada, que é larga e mantida com cuidado,
tem curvas elegantes, mas declives fortes.
Com meia légua de
subida chega-se ao "Garrafão", pouso pitoresco de onde começa a
porção mais aborrecida da viagem, por isso que o caminho é todo calçado de
grandes mata-cães que as ferraduras dos animais riscam, produzindo um som
desagradável.
O viajante,
sobretudo na descida, precisa atender mais para o seu cavalo do que para as
perspectivas e com verdade a cada instante convém lembrar-se disso, pois que a
magia delas é capaz de prender a mais distraída atenção.
Numa aberta,
descortina-se um panorama gigantesco.
Muito, muito ao
longe, o Rio de Janeiro como um pontinho branco, a baía como um lago, o Oceano
como uma linha comprida que vai até Cabo Frio: por qualquer lado que se olhe:
serras, cumes, árvores, socavões, precipícios.
Aquilo é
grandioso!
Mas cuidado com o
defluxo. Espirrei! É a bôca da serra e daí vem sempre vento encanado. Um último
olhar à Guanabara, e subamos.
Já aparece uma
casinha. Teresópolis não pode estar longe.
Um inglês conta
que, viajando no Norte do México, perdera-se no deserto de Sonora e nêle vagara
dois ou três dias sem rumo nem esperança de encontrá-lo.
Baldo de fôrças,
caminhava êle já desalentado, quando de repente viu, ao longe, um sinal
incontestável de que por ali havia alguma povoação civilizada.
Era uma fôrca e
um homem pendurado nela!
Teresópolis
anuncia-se de maneira muito menos conforme à civilização, no entender do
bretão, mas incomparavelmente mais normal à vida sossegada que, para todos,
corre no alto daquelas montanhas. O prenúncio de povoado é uma casinha modesta
a alvejar por entre mataria negrejante de tão verde que é.
Depois
acompanha-se uma bela curva da estrada; passa-se em boa ponte uma corrente
violenta que vai, de precipício em precipício, buscar a várzea e toma-se uma
direção, quase reta seguindo uma espécie de rua larga, mais caminho do que rua,
de um lado e do outro, do qual se acham casas e edifícios, juntinhos uns dos
outros, ora separados.
Atinge-se então,
a chapada de Teresópolis, planície elevada uns 1500 metros acima do mar e tôda
ela cercada de píncaros, de uma conformação especial, cujo aspecto panorâmico
constitui perspectiva encantadora.
Se voltardes a
cabeça, vereis a cavaleiro o "Garrafão", o "Frade", há
pouco defronte ou ao lado de vós, agora já às vossas costas. Enfileirados com
êsses, erguem-se outras pontas agudas, arredondadas, farpadas que semelham
construções góticas de algum gênio caprichoso. Defronte de vós, azulando e como
que em linha contínua contemplareis três picos elevadíssimos que se avantajam
de um modo original a todo um maciço de montanhas ligadas umas as outras.
Quando a tarde
descamba serena e que no céu rutilam as côres de um saudoso crepúsculo, não há
espetáculo como admirar aquêle fundo de quadro, aquêles picos a mudarem de côr,
faiscando como barras de ouro ao fogo, virando em agulhas braseadas ou
desmaiando em roxas, para, enfim, com a chegada da noite transformarem-se em
negros píncaros.
Ficar extasiado
diante dessas cenas era o emprêgo de todas as minhas tardes durante os dias que
pude desfrutá-las.
Quando se sobe de
manhã, o sol impede demorados êxtases, mas, então, o seu brilho serve para
avivar fios compridos de linfa, que, fio de prata derretida vem deslizando pelo
dorso das penedias, lágrimas modestíssimas que nascem no recôndito das
florestas reunindo-se para formarem algum caudal barulhento e orgulhoso.
Uma das primeiras
casas de Teresópolis pertence a um fazendeiro chamado Louzada, homem rico e
algo excêntrico.
Depois delas vão
aparecendo outras do médico da localidade, do boticário, etc., e, afinal, num
vasto edifício, apropriado e crescido número de alunos, o Liceu Conde d'Eu,
onde algumas dezenas de meninos recebem educação intelectual, ao passo que
aquêles vivificantes ares lhes robustecem a saúde.
Compreende-se que
aí seja possível o estudo: no sossegado ambiente, na falta de distrações
externas, encontra o educando elementos para um trabalho necessário a que o
instiga, não a enervante temperatura da Côrte, mas a frialdade da atmosfera e o
conseqüente desejo de ação.
Esta reflexão faz
surgir outras de ordem superior e que suscitam a lembrança de poder um dia esta
localidade vir a ser assento da capital do império.
Quanto não
lucrariam com efeito os negócios públicos se a temperatura de Teresópolis
influísse sôbre êles num sentido geral de atividade?
Com sistema de
concentração que, talvez, seja uma causa de grandeza para o Brasil, bem que
pensadores sérios vejam nela só fontes de atraso, a lentidão, eminentemente
prejudicial no andamento de ordens e decisões, é, no entanto, mal indeclinável
nos lugares em que, como no Rio de Janeiro, a elevação da temperatura predispõe
ao vagar, quando não ao descanso completo, ao embalar da rêde e até no sono
profundo.
Transportada a
cabeça do império para aquêle fortificante clima, abrir-se-iam estradas
monumentais para ligar Teresópolis ao litoral, romper-se-iam por todos os
lados, as florestas, as obras de arte de tôda a sorte tornariam a subida da
serra uma maravilha; movimento imenso de vapôres sulcaria a baía; jardins
deliciosos, palácios riquíssimos se ergueriam em todos êsses pontos em que só
dominam, por ora, a tristeza e o abandono; a cidade política a dois passos da
comercial...
Sonhos que,
talvez nunca se realizem! cedam o passo à realidade: Teresópolis é linda.
Teresópolis merece tudo, mas nada atavia a sua beleza, nenhuma comodidade é
proporcionada ainda àquele que quiser de perto apreciar os seus múltiplos
encantos.
Sem outras
considerações, sigamos além, deixando à vontade da cavalgadura apressar ou
demorar o passo.
Depois de um
intervalo sem casas, aparece um seguimento de povoado. Aí estão a igrejinha e o
núcleo mais importante de Teresópolis. As construções são singelas e como
comuns a lugares de tão explêndida natureza.
As perspectivas,
como sempre variadas, trazem logo o desejo de longínquos passeios a cavalo para
avistá-las debaixo de novos aspectos.
De chegada ao
hotel, senti um apetite violento. Entregue desde muito ao desgôsto de uma
dispepsia que tem resistido a tôdas as pepsinas e carvões de Belloc ou às
famigeradas pastilhas de Patterson, pasmei de tal novidade e mais pasmo fiquei
depois de ter ingerido, com facilidade e prazer, comidas pesadas e cujo o
aspecto único ter-me-ia aterrado na minha vida de cidade.
Abençoadas águas!
Abençoadas brisas das montanhas, de novo me destes, ainda que por pouco tempo,
o meu estômago dos 18 anos, êsse estômago modêlo, muito chegado ao de uma
avestruz capaz de devorar ferros-velhos, cabos de faca, peça de aço e colheres
de prata!
Oh! se o tal
hotel não fôsse tão estafado de munições! Se o pão fôsse menos negro, se a
carne se apresentasse menos escassamente!
Também quem
agasalha não pode, sem concorrência, dar jantares de Lúculo: o dono do hotel
recebe poucos visitantes e a muito custo procura ir sustentando a sua casa.
Outrora
Teresópolis tôda pertencia a um rico fazendeiro alemão ou de origem alemã, pois
se chamava Maersch, que se via tão visitado que os deveres de hospitalidade a
que o forçaram tornaram-se penosos e altamente dispendiosos.
Êsse homem
imaginou, então, um meio excelente, para continuar a fluir as delícias da
sociedade numerosa naquelas brenhas e, ao mesmo tempo, livrar-se de despesas
extraordinárias e todos os anos crescentes por modo assustador.
Transformou a sua
casa em uma espécie de hotel, mas hotel aristocrático em que o hóspede só sabia
que gastara do seu dinheiro quando um mordomo, nunca o anfitrião,
apresentava-lhe, como carta de despedida, a conta de todos os seus passeios a
cavalo, do seu passadio, banhos etc.
O expediente a
princípio arredou as vistas, mas pouco a pouco voltaram elas; passou a coisa em
julgado; Maersch continuou com o seu tipo de "grand seigneur"; nunca
falava em pagamento; ali só havia distrações, obséquios, amabilidade;
agradecia-se com efusão a franqueza, a liberdade do dono da casa, mas à porta o
implacável mordomo esperava de conta em punho, a quem se declarava farto de
Teresópolis e disposto a voltar para a Côrte.
Oxalá vivesse
ainda êsse homem ou alguém continuasse com sistema tão delicado e próprio para
gente de boa educação!
Quando não
diferia essa vida de atenções recíprocas da de um hotel em que o dinheiro pode
tudo, em que por êle julgam-se os malcriados com direito a se portarem conforme
a sua índole e seus caprichos!
Depois de
instalado em Teresópolis, passei os dias em passeios, ora à mata virgem para
contemplar orquídeas e bromélias, ora a cavalo pelos arredores da povoação,
visitando pontos em que sempre achei alguma coisa para se admirar.
De todos êles o
que mais me agradou foi a fazenda do coronel Escragnolle que, infelizmente
naquela ocasião, achava-se na Côrte, pois com vagar teria eu desejado percorrer
a sua linda propriedade, mudada, por seus cuidados, em verdadeiro parque
inglês.
É projeto adiado.
Depois de oito
dias de estada em Teresópolis, paguei minha conta no hotel, que achei muito
moderada; disse adeus a todos aquêles picos e montanhas; desci com a tarde a
serra; parei na Barreira; de madrugada meti-me num dos carros da Piedade; vim
nêle cochilando e batendo com a cabeça, ora no ombro de um vizinho, ora contra
o acolchoado do carro; parei em Magé; tomei uma xícara de café péssimo na
Piedade; entrei na barca e depois de duas horas e meia de viagem saltei no cais
da praia do Peixe.
Estava cumprido o
meu desejo: acabava de chegar de Teresópolis, um tanto moído e fatigado, mas
com tenção firme, decidida de lá voltar, apenas tivesse ocasião.
A poucos passos
do cais, encontrei-me com o Soares, e não pude deixar de notar a sua palidez,
as grandes olheiras que lhe cercavam sinistramente os olhos, o seu
"facies" quase mórbido.
- Que tens? lhe
perguntei. Acho-te mudado.
- Meu amigo, respondeu-me
êle, tenho-me divertido como um perdido. Há três noites que não durmo e ontem a
noite dancei desencadernadamente. Mas tu também estás mudado. Onde fôste buscar
estas côres, êsse ar de saúde que nunca tens?
- Soares, fui a
Teresópolis.
Leitores, ide a
Teresópolis, todo o incômodo, que tiverdes em viagem, ficará amplamente
compensado.
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Visconde de
Taunay
Alfred
d'Escragnolle Taunay, o "Visconde de Taunay". Engenheiro militar,
professor, político, historiador, sociólogo, romancista e memorialista, nasceu
no Rio de Janeiro, RJ, em 22 de fevereiro de 1843, e faleceu também no Rio de
Janeiro em 25 de janeiro de 1899. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira
de Letras, onde criou a Cadeira n. 13, que tem como patrono Francisco Otaviano.
Era filho de Félix Emílio Taunay, barão de Taunay, e de mulher Gabriela de
Robert d'Escragnolle. Seu avô, o famoso pintor Nicolau Antônio Taunay, foi um
dos chefes da Missão Artística francesa de 1818 e seu pai foi um dos
preceptores de D. Pedro II e durante muito tempo dirigiu a Escola Nacional de
Belas Artes. Pelo lado materno, era neto do conde d'Escragnolle, emigrado da
França pelas contingências da Revolução.