A conquista do Dedo de Deus
- Brasileiros conseguem feito negado a experientes
alpinistas alemães
Tempo de grande glamour em Teresópolis, quando as
revistas e jornais do Rio de Janeiro não se cansavam de procurar atrativos e
adjetivos para cantar as belezas de uma viagem a Teresópolis no trenzinho da
recém-inaugurada Estrada de Ferro Therezopolis, na primeira semana de março de
1912, a imprensa deu a notícia de que dois alpinistas alemães iriam subir o
Dedo de Deus. Eram o botânico Felippe Lutzeberg e o geólogo Hans Bauman,
mandados pelo Inspetor de Obras Contra as Secas, engenheiro Arrojado Lisboa,
para descortinarem a natureza das nossas montanhas, “bem como promover apontamentos de
utilidade à ciência, para o que eles estão armados de todos os aparelhos
necessários à empresa”.
Acostumados
a perigosas ascensões, “já
tendo escalado os mais altos montes da Europa, por ocasião do inverno, havendo
também subido várias vezes o Monte Branco, na Confederação Helvética”, como informou a imprensa,
descobri a data e os nomes dos personagens ao acaso, a partir de um cartão
postal circulado em 19 de março de 1912, comprado em leilão pelo amigo Romildo
Pires há uns dez anos, onde era informado nele que “dois alpinistas tinham
chegado a esse cume quatro dias atrás”. Os montanhistas, que dão conta dos
nomes deles diversos jornais do Rio de Janeiro, contrataram o caçador
teresopolitano Raul Carneiro e embrenharam-se na mata, subindo a montanha os
três, com os equipamentos que trouxeram os estrangeiros, não conseguindo chegar
ao cume porque um abismo a cerca de 30 metros dele tornava a conquista
impossível.
- Se não conseguimos, ninguém conseguirá, disseram.
Os
forasteiros voltaram desanimados e no dia seguinte partiram a caminho da
Capital. Mas a ideia germinou, caindo a semente em terreno fértil. Raul
Carneiro - o guia dos exploradores - levou dias a ruminar no cérebro a
possibilidade de realizar a empresa que os alemães julgaram impossível. Pensou,
pensou muito na tentativa de conquista e resolveu pô-la em prática, uma vez que
encontrasse quem o acompanhasse. Lembrou-se então de José Teixeira Guimarães,
hábil ferreiro que tinha loja na avenida Paquequer, atual Oliveira Botelho, em
frente a FESO. No vigor dos seus vinte e poucos anos, Teixeira topou a
aventura, inserindo nela José Américo de Oliveira Junior e os irmãos deste,
Acácio e Alexandre, os empregados da ferraria. E lá se foram os cinco, nos
primeiros dias de abril, numa viagem insólita ao cume do Dedo de Deus, abrindo
um novo caminho na Serra dos Órgãos, o caminho das montanhas.
“Ao
cair da noite do dia 8, na Várzea como no Alto notava-se um desusado movimento
de populares e carros em todas as ruas: era a manifestação que se preparava
para receber os expedicionários que deveriam regressar ao cair da noite. Sem
tempo para descansar das fadigas de tão penoso trabalho e sem sequer lhes ser
permitido mudarem de roupa, tomaram carros oferecidos pelo povo e com eles em
triunfo o povo percorreu todas as ruas da cidade por entre constantes
aclamações. Eis como se ideou e se realizou a prodigiosa ascensão que ainda nos
parece estar sonhando”,
deu notícia da conquista o jornal Theresopolitano:
“Longe
bem longe se vão os tempos em que se julgava o impossível. Nos tempos que
correm de evolução e de progresso, o impossível foi posto à margem, depois que
o homem se convenceu que o corpo é nada e a alma é tudo. Assim, enquanto os
mais delicados inventos proporcionam ao homem o mais carinhoso conforto e
bem-estar do corpo, e as maravilhas do cinematographo transportam a alma a mundos
ignorados, as machinas voadoras levam-no a regiões mysteriosas do espaço, e
exploradores audazes sulcam as geleiras polares alargando os domínios da
humanidade.
O
Dedo de Deus, que lá se ostenta, ereto, apontado para a imensidade, não é mais
virgem do contato humano: cinco arrojados brasileiros planejaram e
temerariamente levaram a efeito a prodigiosa escalada ao plateau do natural
monólito, aí plantando, na tarde de 8 do corrente, duas bandeiras.
Sete
dias durou a arrojada empresa fazendo os destemidos expedicionários a escalada,
saltando de escarpa em escarpa e cravando sobre a enorme massa granítica
ganchos de ferro, aos quais atavam fortes cabos, e assim, de precipício em
precipício, foram-se guindando sobre o abismo insondável até galgar o cimo do
collosso.alemães
julgaram impossível. Pensou, pensou muito no caso e resolveu pô-lo em prática,
uma vez que encontrasse quem os acompanhasse. Lembrou-se então de José Teixeira
Guimarães, hábil ferreiro, no vigor de seus vinte e poucos anos, e expôs-lhe a
sua ideia, que foi logo aceita, e ambos convidaram a José Américo de Oliveira
Junior e os irmãos deste, Acácio e Alexandre, rapazes todos corajosos e
trabalhadores. E lá se foram os cinco, nos primeiros dias de abril, Em baixo, no sopé, armaram a barraca onde
pernoitaram nos primeiros dias dormindo amarrados sobre o abismo nas últimas
duas noites, por lhes ser por demais penosa a descida nos últimos dias de
ascensão. No sétimo dia, galgaram finalmente o minúsculo plateau, a uma
altitude de cerca de 2 mil metros sobre o nivel do mar. Nesse plateau, que tem
15 a 20 metros de diâmetro, encontraram vegetação, onde colheram uma planta de
cheirosa magnólia que foi enviada à redação do “Correio da Manhã”, e com os
paus secos aí encontrados, fizeram fogo que, com água colhida na corola dos
gravatás, fizeram saboroso café. Imaginem os nossos leitores saborearem um
chicara de café no pinaculo do Dedo de Deus ante o panorama lindíssimo que dali
deve se desfrutar!
Grandes
foram, de certo, os sacrifícios e os esforços empregados e o que é mais, o
desprezo pela morte, para levarem a cabo tão arriscado comettimento; mas em
compensação deve ter fruido n’alma esse gozo inexprimivel que nos proporciona a
consciência de grandes feitos. Por outro lado, deveria ter sido delicioso a
contemplação desse panorama infinitamente magestoso, desejado por tantos homens
que julgaram impossivel a ascensão. Até então, ninguem pensou de ver um dia uma
bandeira branca a tremular sobre o cimo ignoto da formidável massa granítica;
até então ninguém acreditava que seres humanos se atrevessem a sondar o
misterio das nuvens que pairam sobre o Dedo de Deus.
Pois
bem, a ascensão realizou-se ultrapassando as raias do sonho para o campo da
realidade. Não foi a engenharia que a delineou, não precederam estudos ou
planos amadurecidos sobre calculos cientificos, com levantamento de plantas que
a ciência aprende na escola; não. Tão arrojado feito foi comettido por cinco
modestos trabalhadores, cinco rapazes de origem humilde, saídos da massa
anonima do povo”,
concluiu o jornal na edição de 14 de abril, exemplar raro guardado no acervo do
Pró-Memória Teresópolis. Fundado em 15 de novembro de 1902, por Eduardo
Meirelles Sobrinho, morto em 1909, de infarto, quando o semanário parou de
circular, o Theresopolitano tinha ressurgido em março e era agora propriedade
de Horário Rocha, tendo como redator José Bandeira Viana. Outros jornais do Rio
de Janeiro também relataram a aventura, reproduzida pela imprensa do Brasil
inteiro, publicações que podem ser pesquisadas agora na internet, na hemeroteca
digital da Biblioteca Nacional.
Marco
do montanhismo nacional, o grande feito
dos anônimos moradores de Teresópolis os transformou em heróis nacionais,
recebendo os desbravadores do Dedo de Deus telegrama do presidente do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, barão Homem de Mello e homenagem do
presidente da República, Hermes da Fonseca, levando mais gente a encantar-se
com a Serra dos Órgãos, planalto onde desenvolvia-se encantadora cidade, para
aonde acorriam em busca de tranquilidade as famílias de classes média e alta do
Rio de Janeiro.
Os cinco conquistadores em registro fotográfico feito para o jornal Correio da Manhã no dia seguinte da conquista. Guardada no fundo Antônio Sumavielle, do Pró-Memória Teresópolis, a clássica imagem foi feita no dia do feito histórico e é uma das fotografias mais reproduzidas de Teresópolis.