sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Teresopolitanos "arranjam-se" com a Tragédia
     O brasileiro é um empreendedor nato e não surpreende vermos o Eike Batista entre os dez homens mais ricos do mundo. O minerador tem apenas 30 bilhões de dólares a menos que o Bill Gates, da Microsoft, representando, segundo a Revista Forbes, a sétima maior fortuna do mundo.
     Como essa dinheirama se juntou pouco se sabe. Nem se sabe bem, também, quantas outras fortunas, sabidamente ilícitas, existem. Pelo que se rouba, informalmente, neste país, talvez tenhamos outros dez mais ricos que o próprio Eike, alguns deles até próximos de nós, vivendo em propriedades compradas no bom clima da serra com o suor e o empobrecimento coletivo.
     É problema pra outro texto e não interessa tanto falar desses imprestáveis agora. Talvez devêssemos nos preocupar mais com esse modelo econômico perverso que permite tanto dinheiro nas mãos de poucos enquanto tantos passam privações.
Em cima de um barranco, e debaixo de outro, um “cortiço” de três casas
foi construído na rua Jorge Mellick, 276, próximo ao clube Panorama.
As precárias casinhas de cerca de 30m2 cada estão alugadas para três famílias
e o proprietário está levantando o segundo andar, onde outras
três famílias poderão ser exploradas
     Lembrei da necessidade de falar sobre isso quando passando os olhos, de novo, no romance "Memórias de um Sargento de Milícias", de Manuel Antônio de Almeida, lí o delicioso trecho onde ele conta sobre o "arranjei-me do compadre". Incumbido pelo morimbundo comandante de um navio a entregar seu tesouro à filha deste caso morresse, e morto aquele que confiou em alto mar a um estranho sua fortuna, o "compadre" decidiu-se a instituir-se herdeiro, "arranjei-me" que explica muitas fortunas mundo afora.
     A verdade é que, conscientemente ou não, e diante do inusitado dos dias em que vivemos, temos nos arranjado de várias formas. Até na conquista do Dedo de Deus, em 1912, o jeitinho brasileiro fez os conquistadores da montanha arranjarem-se diante do empecilho que impedira, semanas antes, que dois alemães chegassem o cume. O ponto intransponível para os treinados alpinistas foi superado pelos teresopolitanos José Teixeira Guimarães, Raul Carneiro e os irmãos Oliveira: Acácio, Américo e Alexandre que, ao encontrarem o ponto abissal a poucos metros do cume, desceram o morro e arrastaram montanha acima uma enorme vara de pau, por onde subiram.
     A engenhosidade dos conquistadores ganhou fama e até quem nunca subiu pedra alguma conhece a história que marca o início do montanhismo brasileiro. "Quem conversa com José Teixeira, sobre a famosa empreitada, pouco mais lhe tira que esse recurso do pau. Só parece que ele fez uma coisa atôa e que se pagou de sobra sua industriosa valentia com o perfume das magnólias silvestres que encontrou no píncaro maravilhoso", conta em crônica o caso o escritor Manuel Bandeira, que já vivia em Teresópolis quando ocorreu o feito histórico.
     Engenhoso, ou "industrioso" como diria o poeta, o brasileiro arranja-se diante de qualquer dificuldade. Parece uma habilidade nativa, e até motivo de orgulho, esse "jeitinho" de nos arranjar-mos.
     Mas, esquecemos muitas vezes, o "arranjei-me" tem limites. Agora mesmo, na devastada Teresópolis do pós-tragédia, temos observado como essa cultura do arranjo têm feito mal à cidade.
     Tivemos cerca de 1.500 casas destruídas pelas águas, quase um terço delas de moradores que estavam acima da linha da pobreza, e temos mais de 3 mil recebendo aluguel social, com algumas vítimas reais ainda sem o auxílio. Convivemos com uma classe política que, em vez de dar casas às vítimas, se apropriam "politiqueiramente" de suas causas, abrigando interesses próprios, insolidários com o próximo, cada vez mais distante conforme afasta-se o período eleitoral.
     Se "arranjar-se" é um jeitinho brasileiro, esse povo que recebe aluguel social sem ter perdido casa, e que tem políticos que vivem de promessa de casa, ambos vem se arranjando muito bem. No entanto, não são só esses miseráveis que estão se "dando bem" com a Tragédia. A cada dia, temos visto engordar o número de pessoas que se aproveitam da ocasião e gozam com a desgraça alheia. Falo da especulação imobiliária. Não daqueles que aumentaram o valor do aluguel com a consequente demanda. À época, essa denúncia provocou até a posição da Justiça, que prometeu "cadeia para os que cometessem crimes contra a economia popular". É que virou costume na cidade, agora, empreendedores investirem na construção de moradias para os pobres. Mas, não como era de esperar. Esses "empresários" socialmente irresponsáveis não estão construindo casas habitáveis e legalizadas. Estão espalhando barracos pelos morros, em terrenos escriturados ou em invasões, na busca do dinheiro fácil do aluguel social. E fazem isso sob os olhares complacentes das autoridades. Constróem em áreas de risco e alugando pelo preço de mercado moradias inacabadas, e sem o devido habite-se da prefeitura, explorando o próximo que merece deles a solidariedade por serem mais favorecidos, e favelizando ainda mais a cidade.
     A favelização em Teresópolis é uma indústria e, nos bairros humildes, tem mais gente pagando aluguel do que morando em casa própria. São habitações precárias, insalubres e inseguras, oferecendo risco para os seus ocupantes, gente que se obriga a repassar aos senhorios os recursos que deveriam dar a eles um pouco de dignidade enquanto aguardam as sonhadas casas que os governos federal e estadual prometeram construir.
     As vítimas de janeiro de 2011 ainda não foram vingadas na Justiça. Nenhum ex-prefeito, ou ex-vereador, foi ao menos incriminado por terem patrocinado invasões em áreas de risco onde tantas pessoas morreram. Que não sejam punidos os que já mataram, então. Mas que se evite, ao menos, a desgraça das pessoas que estão à mercê da ganância dessa gente "industriosa" que se arranja tão bem, e tão insensivelmente diante da tragédia alheia.

Em tempo. Iniciado há mais de uma semana, o texto desatualizou-se. Não diante da denúncia oferecida, e que merece cada vez mais atenção das autoridades. Mas, com relação ao Eike. O coitado que estava entre os dez mais ricos do mundo não está nem mais entre os cem: Perdeu dinheiro, reduzindo sua fortuna a um terço. O milagreiro das letrinhas preciosas tem agora, "apenas" 11.4 bilhões de dólares, deixando a lista dos 100 mais ricos, que é liderada pelo mexicano Slim, da Televisa, com 78,4 bi. Na cobiçada lista figuram, agora, somente os brasileiros Jorge Paulo Leman, da Ambev, em 38.o lugar, com 18,9 bilhões; Dirce Camargo, da Camargo Corrêa, 62.o, com 14,2 bilhões e Joseph Safra, do Banco Safra, em 88.o, com 11,9 bilhões.