quinta-feira, 14 de novembro de 2013

O guarani José de Alencar, o Paquequer e a história recente de Teresópolis


"A torrente passou rápida, esmagando tudo que se opunha à sua passagem"
Um dos mais bem sucedidos romances brasileiros, referência na literatura indianista, O Guarani foi ambientado às margens do rio Paquequer, em Teresópolis. Publicado em 1857, o livro conta a história do índio Peri e da branca Ceci, em quatro partes distintas: Os aventureiros, Peri, os Aimorés e A Catástrofe, esta última, relatando uma grande enchente que alagou a várzea e provocou enorme destruição, “esmagando com o peso tudo que se opunha à sua passagem”.

Mais de 150 anos depois, e ocorrida na Região Serrana a tragédia imaginada por José de Alencar em seu trabalho, a Secretaria de Cultura elaborou um projeto de resgate da memória local, visando reconhecer, e trazer para o nosso ambiente, o importante romance, divulgando o escritor, e provocando o olhar do brasileiro para o nosso rio - hoje degradado e tão carente de atenção.

Embora alguns tentem tirar de Teresópolis o cenário dessa importante obra literária, sugerindo que o escritor tenha se inspirado no rio Paquequer de Sumidouro, curso d'água que nasce na serra da Soledade, não há dúvida de que o autor de O Guarani refere-se ao nosso Paquequer em seu livro e a não a outro rio. O intróito do romance deixa claro isso - Serra dos Órgãos! - e, ao longo do texto, outras características geográficas da região são claramente retratadas, como nossas cascatas, a Várzea e a própria distância que percorre o rio.

“De um dos cabeços da Serra dos Órgãos desliza um fio d'água que se dirige para o norte, e engrossado com os mananciais que recebe no seu curso de dez léguas, torna-se rio caudal. É o Paquequer: saltando de cascata em cascata, enroscando-se como uma serpente, vai depois se espreguiçar na várzea e embeber no Paraíba, que rola majestosamente em seu vasto leito...”

Contemporâneos de José de Alencar também ambientam em Teresópolis o romance. Em pesquisa na Biblioteca Nacional, encontramos um exemplar do jornal O Globo, de 10 de janeiro de 1876, menos de 20 anos da publicação do romance, onde o escritor M.P. se refere ao rio da nossa cidade como cenário do Guarani.

“À entrada da povoação de Teresópolis o viajante ouve o sussuro cadente e monotono das aguas de um rio, que espreguiça-se indolente sobre lençóes de arêa. É o Paquequer. Foi as margens desse novo Hyppocrene que o Alencar escreveu o immortal Guarany. Foi ahi que elle ideou aquela Cecy tão bella, tão meiga, tão do céo”.

Repórter de seu tempo, e tão útil à nossa memória, articulista que deixou apenas suas iniciais no texto providencialmente inserido naquele jornal extinto ainda no século 19, M.P. traz outras considerações fantásticas sobre a nossa região, freguesia que já sonhava com o trem e que seria transformada em cidade 15 anos depois. O visitante que apaixonou-se por Teresópolis guardou na memória através da sua carta os nomes de hotéis, de pessoas, de lugares e até relatou a visita do Imperador Dom Pedro II, que por aqui também passou no mesmo período de sua estada.

“Garanto-te meu amigo, que quando li O Guarani tive vontade de ser o Pery daquela Cecy, e tu? Estou em Theresopolis. A leitura deste nome te parecerá que trato de uma cidade, pois tu hellenista de força sabes a significação de Theresopolis; enganas-te, é um arraial ligeiro fugitivo, bello, pittoresco, onde se vive, onde se tem pulmões emfim... Não é só o tisico que aqui encontra condições favoraveis à sua existencia: muitos outros enfermos assaltados por diversas molestias tem tambem encontrado restabelecimento rapido e completo. O Beri-beri desapparece com alguns mezes de permanencia neste abençoado clima; as intoxicações palustres, tão frequentes no Rio de Janeiro, acham também aqui o remédio mais eficaz... Não imaginas como o meu coração se confrange ao dizer adeus a esses valles, a estas montanhas, para ir buscar nessa Côrte impura os recursos para minha subsistencia. Como é diverso o viver. Aqui o borborinho das cascatas, lá o borborinho das paixões; aqui o silencio das mattas, lá o tumultuar incessante de uma sociedade macilenta e egoista. Oh! si eu podesse nesse doce retiro desfructar em companhia de minha prole os dias que tenho ainda para caminhar na senda alpestre da vida, eu considerar-me-hia como o mais ditoso dos homens”.

Passada a tragédia, guardada a singela lembrança de 1876 no registro do acidental repórter, e ainda inconsciente o teresopolitano do relacionamento amistoso que deve ter com a natureza e a memória, precisamos inserir o romance O Guarani na história municipal. Urge também a necessidade de pregarmos um novo olhar para o importante escritor indianista que ignoramos tanto.

“A torrente passou rápida, veloz, vencendo na carreira o tapir das selvas ou a ema do deserto; seu dorso enorme se estorcia e enrolava pelos troncos diluvianos das grandes árvores, que estremeciam com o embate hercúleo. Depois, outra montanha, e outra, e outra, se elevaram no fundo da floresta; arremessando-se no turbilhão, lutando corpo a corpo, esmagando com o peso tudo que se opunha à sua passagem...”

Lembrada essa semana na secretaria Estadual de Ambiente, para onde fomos em busca de apoio ao nosso projeto de resgate da memória local, a descrição de “A Catástrofe” provocou no secretário Carlos Minc resposta imediata. “Vamos construir esse monumento ao Guarani nas margens do rio, e será na Cascata do Imbuí, no principal parque fluvial do Paquequer. Precisamos tributar ao escritor José de Alencar a homenagem proposta pela secretaria de Cultura de Teresópolis e que a serpente de água que ele descreveu em seu livro nos ajude a entender melhor as vontades da natureza e obrigue o teresopolitano a um melhor convívio com o seu poético rio”.

A proposta foi feita, e uma promessa também. É promessa de político, tudo bem. Mas de um político que costuma cumprir a palavra, principalmente quando se trata de Teresópolis, cidade que tanto admira.

Em agosto de 2008, apresentei ao Carlos Minc - que prefaciou o livro SOS Paquequer - a idéia de um parque municipal em Teresópolis. Ministro do Meio Ambiente, ele prometeu apoiar a iniciativa e, em julho de 2009, com o seu empenho pessoal, o Parque da Tartaruga era inaugurado. Agora, novo pedido foi feito ao amigo e o memorial ao Guarani proposto pela secretaria de Cultura já tem até data para ser mostrado ao público: “será inaugurado junto com as obras dos parques fluviais do Paquequer, Príncipe e Imbuí, e fará parte do mirante da Cascata do Imbuí”, garantiu.