segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

   O avião que caiu em Teresópolis próximo à Pedra do Sino, em 1951

Montanhistas carregam avião montanha abaixo, até a sede do Parque
     Assim que adquiri o acervo Varejão, uma fotografia me intrigou bastante.  Ela mostra o próprio Adé-rito, ainda jovem, e alguns amigos, nu-ma inusitada aventura no Vale da Morte, lugar entre a Pedra do Sino e os Castelos do Açu. Eles estão próximos dos destroços de um avião que, soube através da legenda, teria caído na Serra dos Órgãos, no ano de 1954. Passado algum tempo, revirando de novo as caixas de fotografias, encontrei outras imagens, que mostram o mesmo avião, sendo arrastado pelo Vale das Antas, entre os abrigos 3 e 4 da Trilha do Sino.

     Me empenhei em pesquisar sobre o acidente e, entrevistando o guarda florestal José Marques, soube mais sobre ele. Funcionário do Parque Nacional e trilheiro do Sino, chegando a morar no Abrigo 4, “Seu José” lembrava bem do ocorrido, afirmando que foi ele, junto
 com alguns montanhistas, quem recolheu o corpo do piloto, encontrado ainda amarrado ao assento, quase somente ossos, apesar de passado apenas cerca de um mês da morte. - “Descemos ao local do acidente, depois da Pedra do Sino, e guardamos os ossos num saco, trazendo para o diretor do Parque. Lembro que o rapaz estava com uma aliança no dedo, onde estava gravado o nome de uma mulher. Era a sua noiva e se casariam por aqueles dias”, me disse. “Depois, auxiliados por um grupo de mota-nhistas, os funcionários retiraram o teco-teco do abismo e vieram arrastando-o até a sede do Parque Nacional. Um grupo trouxe a carenagem, que era mais leve e outro o motor, que teve que ser enganchado em paus para ser transportado. Meses depois, com nova direção no Parque, o avião acabou vendido como sucata num ferro velho da cidade”, contou José Marques.

     A memória do funcionário do Parque, no entanto, era oral e nenhum documento ou data ele tinha para que as fotografias do Adérito Varejão ganhassem vida. Nos jornais Gazeta e Teresópolis, que circulavam na época, e bem registram o período, não encontrei nada. Podia estar errada a legenda e o acidente ter ocorrido um ano antes ou depois e, nos volumes de 1953 e 1955 destes jornais também não se falou nada sobre o assunto.

Acabei perdendo o interesse pela pesquisa.

     Agora, pouco tempo atrás, preparando um texto sobre a Academia Teresopolitana de Letras, peguei por engano o volume de 1951 da Gazeta de Teresópolis. Queria saber mais sobre um baile que ocorreu no Higino Country Clube em 1961, memorável por conta de uma jocosa reportagem escrita pelo jornalista Jair Gomes Damasceno. Sem me dar conta do engano, fui desfolhando as frágeis páginas da brochura até encontrar na edição do dia 10 de junho, uma nota falando sobre o acidente que, até então, sabia ter ocorrido em 1954. “Encontrados os despojos do avião desaparecido e o cadáver do seu piloto”, diz a Gazeta, que informa ter corrido pela cidade as mais desen-contradas versões sobre o macabro achado. “Foram, há dias, encontrados em local de difícil acesso, conhecido como Vale da Morte, pelos nossos alpinistas, a 1200m de altitude, na Serra dos Órgãos, os destroços de um avião Teco-Teco, com o cadáver, já em adiantado estado de putrefação, do respectivo do piloto”, diz o jornal.


     Quase três meses depois, ainda na Gazeta de Teresópolis, a informação que tinha antes desistido de procurar, apareceu, ocupando quase toda a primeira página da edição de 2 de setembro. O jornal contou sobre o acidente e deu detalhes de como o avião sinistrado foi retirado do abismo, revelando ainda que os que desceram a fim de amarrar as cordas no Teco-Teco, localizaram, um pouco além dos despojos do avião, a ossada do segundo tripulante, uma vez que o corpo do piloto e proprietário do aparelho já havia sido transla-dado para o Rio de Janeiro, por pessoas da família.


     Bem ao gosto do jornalismo praticado pela imprensa em meados do século passado, a romanceada matéria traz a informação que bem legenda as fotografias do acervo Varejão, elucidando e dando memória a um fato que já é esquecido por muitos dos que viveram aqueles anos onde um acidente era notícia para quase um ano inteiro.


     O Registro


     No dia 25 de agosto de 1951, tendo à frente os montanhistas Benvenuto Torri Machhi, Carlos Corradini, David Mar-tins do Amaral, Adérito Varejão e José Francisco Ca-milo organizaram uma expedição ao Vale da Morte para a retirada do avião encontrado nos primeiros dias de junho daquele ano, acidente que teria ocorrido cerca de um mes antes. Devidamente equipados com cordas e material de escalada, os aventureiros partiram às 14h, pernoitando no Abrigo 4 do Parque Nacional, próximo ao cume da Pedra do Sino. No dia seguinte, bem cedo, seguiram para o local do sinistro, “afrontando temperatura baixa assim como rompendo nevoeiro espesso, o que dava a impressão de um fabuloso oceano de nuvens revoltas, rompido aqui e alí por blocos eretos de granito”. Descendo-se pelo lado oposto da montanha, e atingido o fundo do vale, o avião foi encontrado às 9h da manhã e, amarrados os cabos, iniciou-se a retirada do aparelho, quase destroçado. Por volta das 15h, o aparelho já estava no alto da montanha, de onde foi carregado até a sede do Parque Nacional, onde deveria ficar exposto.