sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

   Pró-Arte, de núcleo cultural à escola

No letreiro da Fundação Pró-Arte, a mostra de quem ocupa o espaço, uma escola universitária

   
Prefeitura, governo do Estado e diversos outros contribuiram para construção do prédio 
 Triste fim está tendo a Sociedade de Artes, Letras e Ciências Pró-Arte. Seu prédio, que irradiou cultura por quase duas décadas a partir dos anos 1970, fica no bairro do Alto. Está abandonado, completamente pichado, e há vários anos vem servindo como depósito de alunos de uma universidade, perdendo gradativamente sua finalidade cultural. Reconhecida de utilidade pública municipal, estadual e federal, a Pró-Arte foi construída com dinheiro público para atender a cultura e, encampada por uma fundação sem fins lucrativos, a FESO, é ocupada hoje por um braço da instituição que visa lucro, a Unifeso, transformando um espaço criado para as artes num campus universitário.


     A desgraça da gloriosa fundação criada nos anos 1950 começou a partir de 1987, após a morte de seu mentor, o Comendador Theodor Heuberger. Disposta como uma garota bonita e tímida num salão de baile, viveu à própria sorte, e acabou nas mãos de tutores que viram beleza apenas nos seus dotes de menina rica.

     Viúva do Comendador, e antes de ser encampada por uma escola, a fundação de arte ainda tentaria encontrar outro amante da cultura nos braços da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e da própria prefeitura municipal. Mas, embora a fusão com a UNI-RIO fosse afim, esta não interessou-se o suficiente pela beleza cultural que a entidade oferecia ao tempo em que a prefeitura, além de maltratá-la, até furtou-lhe ornamentos, descuidando-se do seu bonito corpo, motivos que levaram seus conselheiros a ofecerem-na, por mísera dívida, sendo então absorvida pela Fundação Educacional Serra dos Órgãos, que a denominaria, inicialmente, “Unidade FESO/Pró-Arte Comendador Heuberger”, depois, “Núcleo Cultural Feso-Pró-Arte” e, finalmente, “Unifeso - Campus Pró-Arte”, retirando-lhe enfim, e ao arrepio da lei, suas características culturais e artísticas até no nome.

     A encampação parecia um bom negócio e previa claramente a continuidade do fim cultural da instituição, não permitindo-se outra atividade sobre os despojos de Heuberger. Estavam previstas a criação de um centro cultural com escolas de arte, casa do estudante e atividades dirigidas ao desenvolvimento artístico, cultural, pesquisa e difusão da música em geral, das ciências e das letras. A administração das atividades artísticas, pedagógicas e culturais seria levada a efeito por um conselho integrado por 7 membros de saber cultural, e entre eles estavam pessoas de ilibada reputação. Mas, aos poucos, o exigido fim cultural da fundação foi se perdendo. A Pró-Arte virou um depósito de estudantes, e sua gestora, a FESO, além de deturpar-lhe as funções originais, e obrigatórias, transferiu o bem para o Unifeso, que recentemente reduziu ainda mais as últimas atividades artísticas que a entidade oferecia, motivando a intervenção do Ministério Público após denúncia feita pelo Conselho Municipal de Cultura, e do judiciário, onde corre ação popular promovida por um grupo de amigos da arte no município.

     Construído com recursos dos governos municipal, estadual e federal, e projetado pelo renomado arquiteto Camilo Michalka, o imponente edifício da Pró-Arte tem linhas arquitetônicas sóbrias e funcionais, com 4 andares, contendo 25 salas de aulas para diversas atividades culturais, além de dormitórios com capacidade para abrigar comodamente cerca de 150 pessoas. O prédio fica na esquina das ruas Alfredo Rebello Filho com Gonçalo de Castro, numa magnífica área de 2.960m2, terreno doado pelo governo do Estado do Rio de Janeiro, sendo governador o major Paulo Torres, que tinha sido senador, e prefeito de Teresópolis em 1936. A pedra fundamental do interessante edifício foi lançada em 6 de fevereiro de 1966, e a inauguração feita em 1973, quando a tímida entidade cultural que teve suas atividades iniciadas em 1950, num sobrado da travessa Portugal, 14, passou a oferecer cursos permanentes de ballet e piano, escolinha de artes com desenho e pintura, e oficinas de artesanato, abrigando ainda o Coral Municipal.

     Além de descumprir um contrato de encampação que não previa a utilização da Pró-Arte como escola, aproveitar-se de bem apropriado dando a ele outros fins, e não ter o devido zelo pelo prédio que ocupa, a direção da Feso e o conselho diretor do extinto “Núcleo Feso Pró-Arte”, hoje “Unifeso Campus Pró-Arte”, cometeu também grande injustiça eliminando o nome do fundador da instituição Pró-Arte, denegrindo a memória do cultuado teresopolitano que ousou o sonho de transformar Teresópolis a cidade dos festivais.

     Alemão de Munique, nascido em 1898, Theodor Heuberger chegou ao Brasil em agosto de 1924, junto com a I Exposição Alemã de Arte e Artesanato, iniciando intensa atividade artística, animado por dois amigos: o musicólogo e compositor Frei Pedro Sinzig e a pianista e camerista Maria Amélia de Rezende Martins. Organizou exposições e ganhou notoriedade entre os grandes artistas da época, entre eles, Portinari, Lazar Segall, Cecília Meirelles e Alberto Guignard. Fundou a Casa e Jardim - Artes e Ofícios SA, com lojas no Rio de Janeiro, São Paulo e Teresópolis. Criou a Revista Intercâmbio, escrita em português, alemão e inglês, procurando  divulgar a cultura artística universal em todo o mundo.

     Theodor Heuberger naturalizou-se brasileiro no Governo do Presidente Getúlio Vargas e foi condecorado pelos governos da Alemanha, Áustria e Brasil. Recebeu o título de “Comendador da Ordem do Mérito do Estado do Rio de Janeiro”(1974) e os diplomas da Prefeitura Municipal de Teresópolis de “Honra ao Mérito”(1966) e de “Menção Honrosa”(1973). A Câmara Municipal de Teresópolis, outorgou-lhe o título de Cidadão Honorário de Teresópolis, em 6 de julho de 1965, em homenagem de reconhecimento aos seus altos serviços prestados a esta cidade e às suas realizações pela cultura em geral no Brasil.