sábado, 15 de fevereiro de 2014

   Veado, quando a emenda fica pior que o soneto

Cine Eden e Grande Hotel, na antiga Siqueira Campos (ex-Veado, hoje Guaçuí)
     Quando tinha uns doze anos de idade, e trabalhava num bar em Muriaé, ouvi o garçon dizer pra mãe dar um abraço na tia Fé. Embora tímido e respeitoso, arrisquei um abuso, e perguntei pra ele, já um senhor, qual era mesmo o nome da tia. - É Fé, menino. Minha mãe se chama Esperança e a outra tia é Amor.

     Fé, Amor e Esperança. Era isso ou seriam três marias,
das Dores, da Graça ou José...


    Coisas do interior do Brasil, muito comum no Nordeste e nos cafundós de Minas Gerais.

     Mas, é no Espírito Santo que encontrei uma das histórias mais interessantes por causa de um nome. E não é nome de gente. É que denominaram Veado um distrito emancipado de Alegre. Pior, depois que veado passou a significar gay, nos anos 1930, resolveram trocar o nome da cidade, homenageando o másculo tenente Siqueira Campos, líder da marcha dos 18 do Forte de Copacabana, nome que também não foi bem aceito pela família do militar quando passaram a chamar Siqueira Campos de ex-Veado. Hoje, ex-Veado e ex-Siqueira Campos chama-se Guaçuí e, por lá, sabe-se, não é bom brincar com o assunto se estiver desarmado.

     Quando ouvi o caso tempos atrás, decidi conferir a história, afinal sempre soube que não existe ex-veado. Mas vi que tem sim e, buscando endender o caso, encontrei um texto do professor Luiz Antonio Simas que merece reprodução. Então, com o tempo curto para tantas outras coisas, posto aqui a bem escrita história, que está no blog hisbrasil.blogspot.com.br

     UM NOME PROBLEMÁTICO

     No início do século XIX, homens vindos de Minas Gerais, liderados pelo Capitão-Mor Manoel José Esteves de Lima, fundaram um povoado na região serrana do Espírito Santo. O povoado chamou-se, desde 1866, São Miguel do Veado, em homenagem ao santo e em referência ao rio Veado, que passa pertinho da localidade. São Miguel do Veado foi distrito de Cachoeiro de Itapemirim e de Alegre, até emancipar-se, em 25 de Dezembro de 1928.

     Não se sabe quem foi o autor da ideia, mas o fato é que o município emancipado recebeu o nome, puro e simples, de Veado. Em pouco tempo, e em virtude da maldade e da malícia dos habitantes das cidades vizinhas, a simpática denominação passou a desagradar os habitantes do novo município.

     Considerou-se , então, prudente trocar o nome. Veado passou a se chamar Siqueira Campos, em homenagem ao tenente rebelde e líder da marcha dos 18 do forte de Copacabana. Como ainda não havia sido criado, naquele início dos anos 30, o Código de Endereçamento Postal, o valoroso serviço do Correio, para evitar extravio, identificava a cidade como Siqueira Campos, ex-Veado.

     Acontece que Siqueira Campos, que tinha fama de machão, era o autor de uma frase célebre sobre os políticos da velha República : - Todo político é corno, veado ou ladrão. Imaginem então a revolta dos fãs de Siqueira Campos, morto precocemente, quando souberam do epíteto que o herói do tenentismo tinha adquirido. Tanto atazanaram, com abaixo-assinado, passeata e o escambau, que o nome da cidade mudou novamente. A solução encontrada, admitamos,foi porreta; o município passou a se chamar Guaçuí, que em tupi-guarani significa...veado!

     Quem não gostou nada dessa situação foi a concessionária de eletricidade do local, que atendia também a cidade de Alegre e teve que enfrentar tremenda burocracia para trocar de nome. Diante das ameaças de uma população indignada, e cansada de ser sacaneada pelos habitantes de outros municípios, a empresa capitulou, enfrentou a burocracia e abandonou o sensacional nome antigo - Companhia de Eletricidade Alegre-Veado.

   O hotel de Madame Le Magourou e a Teresópolis nos anos 1930

O hotel Le Magourou num de seus melhores registros. A imagem revela a imponência da
av. Delfim Moreira, antes rua Provincial, nos anos 1930
     Inaugurado em 24 de dezembro de 1922, na avenida Delfim Moreira, 1190, o novo prédio do hotel Le Magourou foi ao chão em setembro de 1983, depois de longo tempo de abandono. A imponente construção, cartão postal que encantava os visitantes de Teresópolis na primeira metade do século passado, chegou a ser utilizada como posto avançado de atendimento do Hospital das Clínicas e, extinto, deu lugar à moderna loja da Casa HG Materiais de Construção.
     Point de encontros políticos e reuniões importantes - no Magourou, nos anos 20 e 30, ocorriam as reuniões políticas do grupo de Olegário Bernardes - o hotel estava entre os mais importantes da época, afluindo para ele e o Várzea, na Várzea e para o Hygino e Rizzi, no Alto, os ricos da época, inclusive autoridades em visita à Teresópolis. Hóspedes mais modestos, ou que não se importavam com o glamour e o luxo, frequentavam as pensões, também muito bem instaladas. “Sempre guardei boas lembranças do Magourou. Se me lembro, e como! das tertúlias e dos saraus que ali se realizavam: uns recitando; outros cantando; outros ao piano situado na sala de estar, nos deleitando com músicas sentimentais! Como eram agradáveis esses momentos! E como eram atenciosos seus empregados: D. Carlinda, a cozinheira; Juvenal, ajudante de cozinha; Alberto, um dos garçons; os porteiros Carlos e Alceu; América e Mathilde, arrumadeiras e Manoel Pereira da Silva, atendente de limpeza”, relata o escritor e poeta Amadeu Laginestra, em seu livro Evocações, editado em 1975.
     O Hotel Le Magourou era de Josephina Le Magourou, dona da “Pensão de Madame Le Magourou”, que funcionou numa casa quase em frente, na chacara de Alfredo Balthar, onde surgiu a Casa de Saúde NS de Fátima, antes de mudar-se para o antigo hotel Paiva e Carneiro, casa baixa, chegada à rua, antiga delegacia, e Câmara Municipal a partir de 1899. A “casa baixa”, no número 1240 da avenida Delfim Moreira, que chegou a ter o nome de hotel Le Magourou antes do prédio novo ficar pronto, serviu de casa de apoio aos funcionários do hotel. Também foi derrubada, um pouco antes, e em seu terreno foram levantados dois prédios de apartamentos, guardando na ponte em frente a data 1926, marcando o período áureo daquele trecho então bucólico.
Madame Le Magourou morreu logo depois da inauguração de seu magnífico empreendimento, em 22 de julho de 1927, ficando o hotel sob a responsabilidade do marido, Jules Le Magourou, já com 76 anos de idade. Irmã de Edmond Black, comerciante no Rio de Janeiro, era mãe de Alice Walsh, casada com Francis Walsh, funcionário da Light; Maria Santa Cruz, casada com o capitão-tenente Santa Cruz; Laura Magourou e Margarida Magourou.
     Segundo o jornal O THEREZOPOLIS, Josephina Le Magourou “desfrutava em todas as camadas sociais de Therezopolis da mais viva simpatia e estima, pelo seu trato lhano e pelos seus apreciados dotes de coração, sucumbindo em avançada idade, mas, apesar disso ainda com espírito vivo e inteligente”. Devota de carinho especial às coisas da cidade, morava há muitos anos em Teresópolis, tendo assistido a evolução da “vilhota” que conhecera em fins do século anterior, representando sua perda um “claro impreenchível para os teresopolitanos”. Seu enterramento ocorreu no cemitério municipal, com grande acompanhamento, de pessoas da cidade e outras do Rio de Janeiro, “vendo-se sobre seu féretro muitas coroas e ramos de flores”.
     Com a morte de Jules, o Hotel Le Magourou mudou de mãos, passando à propriedade de Laura e Emille Ducumun. O hotel entraria em declínio no final dos anos 50, quando Ducumun cedeu o seu anexo aos médicos que abriram a Casa de Saúde Nossa Senhora de Fátima. “O anexo do hotel Le Magourou, com cerca de 20 quartos e situado dentro de um grande terreno arborizado, vivia constantemente vazio. Um verdadeiro desperdício, para mim, principalmente, que sonhava poder aproveitá-lo mais nobremente... Os queridos amigos, Laura e Emille, entenderam, então, que era hora de quitar sua dívida de gratidão para com aqueles que os atenderam nas horas difíceis por que passaram e ofereceram-me o prédio do anexo do Hotel em condições vantajosas para que pudéssemos adaptá-lo para uma Casa de Saúde.   Imediatamente, convidamos mais alguns colegas e formamos uma equipe de dez profissionais com as especialidades mais solicitadas”, relata sobre a ocupação do Anexo do Magourou o médico Arthur Dalmasso, no “Livro de Ocaian”.